Nesta terça-feira, a grande campeã do tênis em cadeira de rodas, Esther Vergeer, anunciou sua aposentadoria aos 31 anos. Seus números comprovam sua supremacia no esporte. A holandesa conquistou todos os títulos possíveis ao longo da carreira e esta marcada como uma das maiores atletas de todos os tempos.
Confira abaixo uma entrevista exclusiva que o repórter Renan Justi fez com Esther durante os Jogos Paraolímpicos de Londres, no ano passado e que foi publicada na edição 121 da Tennis View.
Se você jamais ouviu falar de Esther Vergeer, certamente ficará boquiaberto ao saber que essa tenista cadeirante, nascida na Holanda, país que domina a modalidade, representa a figura de uma das atletas mais hegemônicas de toda a história dos esportes. Uma imagem distante da garota frágil que sofreu uma reviravolta na vida com o erro m&édico durante uma cirurgia na coluna, sendo este momento o nascimento de uma fenomenal tenista, que encontrou no tênis o caminho para a superação da deficiência.
Aos 31 anos, em plena forma física, considerada uma super estrela (e musa) das Paralimpíadas, Vergeer coleciona números de outro planeta: 44 trofeus de Grand Slams, 7 medalhas de ouro em Jogos Paralímpicos, termina a carreira com uma s&érie invicta de 470 jogos. São 10 anos desde a última derrota em simples, que aconteceu em 30 de janeiro de 2003, para a australiana Daniela di Toro. Um feito inacreditável para os padrões atuais.
Apesar dos números incontestáveis, da sequência de vitórias nunca antes vista no tênis e da qualidade t&écnica acima das adversárias, Vergeer recusa o rótulo de imbatível. “Você obviamente ganha muita confiança vencendo a maiorias dos jogos, mas nunca me acharia uma tenista invencível na quadra. Sabe por quê? Porque eu sei bem como me vencer, conheço mais do que ningu&ém as fraquezas do meu jogo e sei exatamente como colocar isso em prática”.
Curiosamente, quando a reportagem de Tennis View conversou com exclusividade com a atual campeã paralímpica, o momento era sem dúvida dos mais raros: Vergeer acabara de ser derrotada em uma partida de duplas no All England Lawn & Tennis Club, em Wimbledon. “Eu não senti tão bem a bola, permitimos que a outra dupla dominasse o jogo, quando estávamos prestes a vencer. Posso te dizer que isto dificilmente aconteceria se eu estivesse jogando simples. Como jogadora, na minha cabeça, &é difícil aceitar que meus adversários estão no controle do meu jogo”, disse, convicta, com semblante de quem &é pouco afeita à palavra derrota nas entrevistas.
O comportamento não &é para menos, já que vencer adversidades sempre foi uma esp&écie de mantra na vida da holandesa, bem como ocorre no cotidiano de todo atleta com necessidades especiais. Vergeer &é um exemplo de vida e suas lições de superação falam tão alto quanto sua coleção de trof&éus.
O erro m&édico na coluna, aos oito anos de idade, custou mais do que os movimentos das pernas, se transformando na necessidade de amadurecer rapidamente e fazer da dificuldade uma fonte inesgotável de trunfos. “Tive de assimilar rapidamente que não poderia mais correr, brincar de esconde-esconde com os amigos e que tudo na minha vida estava mudando radicalmente. Minha vida não poderia parar ali, há tanto para se fazer, evoluir e conquistar que você simplesmente não pode deixar de viver”.
A criança, com o apoio dos pais, entendeu rapidamente a mensagem de que ela era dona do seu próprio destino e que jamais deveria sentir pena de si. A tenista holandesa ressalta que a sensação de estar no controle a todo momento lhe faz muito bem, talvez por isso aprecie o tênis como esporte individual. A pose de ‘coitadinha’ não serve para Vergeer. A tenista conta que corriqueiramente, quando está despachando sua cadeira especial em aeroportos mundo afora, os funcionários das companhias a&éreas arremessam sem cuidado algum o seu bem material mais precioso. “Preciso sempre chamar: ‘cuidado, você está arremessando minhas pernas’. Mas frequentemente preciso consertar alguma peça”.
Vergeer começou a jogar tênis unicamente pela diversão, por ser uma adolescente bastante competitiva e porque aquilo lhe fazia uma pessoa melhor, mais valorizada. “Você frequentemente ouve que não pode fazer muitas coisas, de repente vem algu&ém at&é você e diz que você &é talentosa e que pode ser muito boa fazendo algo. Uma mensagem assim muda tudo, era o que eu precisava para me motivar, então passei a querer jogar mais e mais e melhorar sempre”, disse Vergger, uma das atletas selecionadas pela Revista ESPN norte-americana para realizar há dois anos um ensaio nu, um trabalho que rendeu elogios pela estonteante beleza natural e polêmica por estar em uma cadeira de rodas.
Mesmo quando está fora das quadras, de alguma forma a tetracampeã olímpica em simples tenta se manter nela. Vergeer possui uma ONG (Esther Vergeer Foundation) que apoia a prática do esporte entre crianças com necessidades especiais, al&ém de atuar como diretora do ATP 500 de Amsterdam, onde trabalha lado a lado com outro nome histórico do tênis holandês. “Tem sido uma experiência incrível nestes últimos quatro anos, trabalhar junto com Richard Krajicek e vê-lo como exemplo na função de diretor de um evento gigante. É um papel totalmente diferente do que desempenho no meu cotidiano, mas este meu dia a dia no esporte faz com que eu saiba o que os atletas querem, há uma sinergia muito boa”.
Apesar do status de estrela do esporte paralímpico e ser uma figura bastante conhecida em seu país, Vergeer lembra que há muito ainda a ser desenvolvido pelo tênis para cadeirantes, muito a se investir. Entre os praticantes que percorrem o circuito profissional, o ITF Wheelchair Tour, um primeiro passo foi dado, como explica Esther. “Você não fica rico jogando tênis, mas já &é possível sobreviver deste esporte se você estiver entre os 10 melhores do mundo. Com bons resultados, você consegue patrocínios e apoio para se manter no circuito, sei que sou uma das raras tenistas no mundo que pode dizer: ‘consigo viver apenas do tênis’”.
A felicidade de Esther somente estará completa quando realizar o sonho da maioria das mulheres, um objetivo que foge das quadras e não deve estar tão longe assim de acontecer. “Não me sinto totalmente realizada, claro que não. Tenho um namorado há quase quatro anos, talvez haverá um casamento, talvez uma família a caminho, talvez uma nova casa. Isso não tem que acontecer agora, mas adoraria começar uma família. Talvez eu possa ser como Kim Clijsters, uma campeã que construiu uma bela família”, comenta aos risos.
Confira outros números da carreira de Esther Vergeer
Total de vitória e derrotas: 700/25
Total de títulos de simples: 148
Total de títulos de duplas: 136
Títulos de Grand Slam de simples: 21
Títulos de Grand Slam de duplas: 23
Medalhas em Jogos Paraolímpicos
Ouro (simples) Sydney 2000, Athenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012
Ouro (duplas): Sydney 2000 e Athenas 2004 (com with Maaike Smit); Londres 2012 (com Marjolein Buis)
Prata: (duplas): Pequim 2008 (com Jiske Griffioen)
Semanas na liderança do ranking: 668. A primeira vez, em 6 de abril de 1999. Ficou no posto de forma consecutiva entre 2 de outubro de 2000 e 21 de janeiro de 2013.
Campeão mundial 13 vezes, entre 2000 e 2012
470 vitórias seguidas jogando simples, entre 6 de fevereiro de 2003 e 8 de setembro de 2012, data da última partida.
Fotos: Paraolimpíadas Londres e Laureus