Meninas, eu vi.
Comecei a acompanhar o tênis no início dos anos 90, fã da Monica Seles. Assistia tudo o que a TV Manchete passava.
Ainda na escola, com uma amiga, hoje grande jornalista esportiva em Tóquio, iniciamos um jornalzinho e minha mãe nos levou até Cotia, na academia do Marcelo Meyer, para entrevistar o Fernando Meligeni.
Logo entrei na faculdade de jornalismo e no 1o. Semestre da faculdade, em 1994, fui fazer uma matéria para uma revista da turma, sobre esporte. Peguei um ônibus com a minha amiga até hoje, Fernanda Papa e fomos para Campinas entrevistar o Jaime Oncins.
Acabamos ficando lá para trabalhar no torneio e nunca mais larguei o tênis.
Começamos a ir para outros torneios, bem pequenos, trabalhar na assessoria de imprensa.
Aos poucos fui conhecendo os tenistas e as tenistas, me aprofundando na história do nosso esporte.
No fim de 1994 conheci pessoalmente o Guga, no Orange Bowl em Miami e poucos meses depois comecei a trabalhar com ele no que viria a ser uma fantástica história.
Mas, antes de chegar a Roland Garros foram 3 anos, de 1994 a 1997, em que acompanhei muito de perto o circuito feminino e seus mini torneios, distribuindo pouquíssimos pontos e muito menos dinheiro.
Fui a diversos torneios em cidades minúsculas do Brasil, vi sonhos serem construídos, outros destruídos. Vi carreiras serem reativadas, outras destroçadas. Vi tenistas sofrendo com a distância dos familiares, com a incerteza do esporte, com a falta de patrocínio, com a falta de apoio psicológico, com a falta de um norte.
Vi meninas talentosíssimas não conseguirem passar dessa fase. Mudavam de cidade para treinar, de país, tinham talento de sobra, mas a verdade é que passar dessa fase dos torneios pequenos em lugares obscuros é o mais difícil no nosso esporte. Viajar semanas seguidas na Europa, sozinhas e saber lidar com os desafios do circuito é para muito poucas.
Além de ver as meninas, fui conhecendo técnicas e ex-jogadoras. Algumas pouquíssimas que entraram no top 100, ganharam grandes torneios juvenis, tiveram bons resultados em jogos pan-americanos, mas jamais chegaram perto de uma medalha olímpica. Fui armazenando essas informações e entendendo a dificuldade que é passar dessa fase inicial, dar o grande salto.
Três anos depois pulei dos pequenos circuitos para Roland Garros. Vi de perto um sonho se transformar em realidade, quando como nessas olimpíadas, ninguém esperava.
Eu estava lá. Eu estava no telefone respondendo perguntas sobre o que era match point, se alguém perdia estava eliminado, o que era saibro, enfim, explicando o que era o tênis.
Acompanhei mais do que de camarote, de dentro mesmo a carreira do primeiro campeão de Grand Slam do tênis masculino brasileiro. A carreira do primeiro número um do mundo do país, do campeão do Masters, do tricampeão de Roland Garros. A carreira do tenista que transformou o esporte, como ele mesmo cansou de repetir, da água para o vinho.
Todos nós já sabemos que o bonde passou de 1997 a 2004 (apesar da carreira do Guga ter ido até 2008, até 2004 foram seus melhores anos). O país não investiu no esporte e não surgiram novos campeões.
Mas, houve uma empolgação, um crescimento inimaginável do esporte. Nomes como Kafelnikov (café no copo), Safin, Agassi, Sampras, Norman, entre outros, os principais adversários do Guga, eram debatidos em balcão de padaria, mesa de bar. Academias de tênis encheram, o esporte ganhou muito espaço na televisão, o mercado cresceu, outros tenistas surgiram, apesar de nenhum ter vencido um Grand Slam (isso é muito, muito difícil). O Meligeni chegou ao 26o lugar no ranking, o Bellucci ao 21o, Saretta, Mello, André Sá chegaram a estar entre os 50 e muitos outros nomes entraram para o top 100 ou beiraram a marca. Havia uma coletividade brasileira no circuito.
Enquanto isso o tênis feminino ficava distante, com pouco espaço e representatividade.
Apesar de estar trabalhando com o Guga, eu continuava acompanhando o circuito aqui no Brasil, seja nas assessorias de imprensa de torneios ITF, Challenger ou juvenil e também com a Tennis View, minha revista que lançamos pouco antes do 1o. Título do Guga em Roland Garros.
Continuei vendo meninas talentosas não conseguirem passar dessa fase, dos pequenos torneios.
Os anos se passaram e pude acompanhar de perto a ascensão de Teliana Pereira, trabalhando com ela e vendo suas conquistas históricas, saindo do sertão pernambucano para ganhar 2 WTAs, entrar para o top 50 e inspirar novas meninas.
Não foi tão de perto quanto o Guga, mas acompanhei as alegrias e as agonias. Quanta resiliência.
Hoje, acompanho da mesma maneira a carreira da Bia Maia, todos os altos e baixos e a luta diária para passar dessa fase.
Minhas amizades, histórias, meu trabalho, entre outros, me dão a oportunidade de acompanhar de perto, mesmo que não estando diretamente nos torneios, o dia a dia do circuito.
O tênis evoluiu muito desde o início dos anos 1990. Há mais oportunidades, mais estrutura, mas continua sendo um esporte mais do que solitário e que exige muita resiliência, dinheiro, boa orientação, a equipe certa, a escolha do melhor calendário, muito preparo físico e acima de tudo, o que não mudou, muita vontade de vencer acima de tudo.
Eu vi a carreira da Laura Pigossi desde o começo. Eu vi quando ela foi tirada da equipe da Fed Cup por questões políticas que tanto machucaram o nosso tênis, inclusive a mim. Eu vi quando ela tomou a decisão de morar na Espanha. Eu vi seus últimos resultados. Eu vi que ela nunca desistiu.
Eu vi quando a Luísa Stefani resolveu jogar o tênis universitário, para ter uma segunda opção, amadurecer o seu tênis antes de se aventurar no circuito sem garantias. Eu vi quando ela tomou a decisão de jogar duplas e foi aos poucos conquistando seu lugar nos grandes torneios e nos Grand Slams.
Eu vi quando ela teve apendicite há dois meses e deu adeus ao sonho olímpico.
Eu vi quando, de última hora ela e a Laura, herdaram a última vaga na chave de duplas olímpica em Tóquio.
Eu vi os resultados jogo a jogo e a união da equipe.
Eu vi como elas estavam se superando a cada partida. A Luísa já acostumada ao circuito. A Laura sem nunca ter disputado Grand Slam e grandes torneios, aproveitando a maior chance da sua vida.
Eu vi, pela televisão, de madrugada elas conquistarem a primeira medalha olímpica do tênis brasileiro. Um bronze que equivale a mais do que ouro, a um diamante para elas e para todas as tenistas que vieram antes e não conseguiram passar de fase. Um bronze para inspirar não só tenistas, mas qualquer uma que ouse sonhar com o impossível e que não desista jamais.
Que olimpíada para as mulheres do Brasil.
Eu vi mais uma vez o tênis ganhar um espaço que só teve de 1997 a 2001, nas grandes conquistas do Guga.
Eu vi a reação não apenas nacional, mas mundial.
Eu vi em poucos segundos daquele match point, de repente, todo o esforço que eles fizeram para conseguir passar de fase e chegar lá e de todas que vieram antes delas e não chegaram.
Parabéns pelo que eu vi, mas só vocês sabem na pele quantos anos de dedicação, decepções e derrotas foram necessárias para chegar ao apogeu.
Eu vi.
Diana Gabanyi
Foto de Rafael Bello/COB