Entrevista com Bob Brett, o lendário técnico de Gomez, Becker, Ivanisevic e Cilic

Nesta terça-feira, aos 67 anos, faleceu o técnico australiano Bob Brett, um dos maiores nomes do tênis e que trabalhou com nomes como Boris Becker, Goran Ivanišević, Andrei Medvedev, Mario Ančić e Marin Čilić.

Como forma de homenagem, vamos recuperar aqui uma entrevista feita com ele pela Tennis View, há 10 anos, que foi parte da nossa edição 109 da revista impressa. Vale conferir:

Bob Brett é uma lenda do tênis mundial. Não ergue os troféus dos maiores campeonatos do mundo, mas leva os tenistas a conquistá-los.

O australiano, há mais de 30 anos percorrendo as quadras do circuito, é quase uma espécie em extinção.

Técnico de Marin Cilic, coordenador técnico da Tennis Canada e proprietário da sua própria academia, a Bob Brett Tennis Academy, na Itália, o guru de Andres Gomez, Tim Mayotte, Johan Kriek, Robert Seguso, Shuzo Matsuoka, Boris Becker, Goran Ivanisevic, Nicolas Kiefer, entre outros, nos recebeu para um bate-papo em um agitado restaurante em Nova York.

Mas, suas calmas palavras pareciam fazer o barulhento local ficar tranquilo.

O bate-papo que era para ser de 15 minutos acabou se transformando em uma agradável conversa, de mais de uma hora, em que Brett contou como outro lendário australiano, Harry Hopman moldou a sua carreira de treinador.

Várias vezes durante a entrevista parecia estar ouvindo ensinamentos de outro mestre: Larri Passos. Coincidência ou não, Hopman foi um dos mentores do brasileiro.

Para Brett, assim como para Passos, tudo pode ser feito de uma maneira muito simples, mas com paixão, determinação, disciplina, muitas horas de trabalho e lealdade.

O campeão, diz o australiano, é aquele que consegue dar o seu melhor nos momentos mais importantes e que sabe sair das dificuldades com inteligência.

Confira o que Brett nos contou sobre a sua vitoriosa carreira no circuito, a convivência com Becker e Ivanisevic, seus métodos de treinamentos, suas visões sobre o tênis atual, os seus ensinamentos e sinta, através das palavras dele, toda a paixão que é necessária para se chegar lá.

Diana Gabanyi

 

Tennis View – Como você se tornou técnico?
Bob Brett – Com o Harry Hopman. Eu me apaixonei pelo esporte desde que colocaram uma raquete na minha mão, quando eu tinha 10 anos, na Austrália.

Eu jogava, fui boleiro no Australian Open, da Copa Davis e com 17 anos comecei a ajudar um técnico em Melbourne. Quando estava com vinte anos projetei a minha carreira. Fiz análises e cheguei à conclusão de que eu deveria mesmo seguir a carreira de treinador e não a de jogador.

Para acelerar esse processo entrei em contato com o Harry Hopman que já morava nos Estados Unidos, coordenando a academia de Port Washington, em Nova York e fui ser aprendiz dele.

Ele teve um papel fundamental na minha formação.

 

TV – O que de mais importante ele te ensinou?

BB – Para ele tudo pode ser feito de uma maneira muito simples, mas com muita atenção, dedicação e disciplina.

Ele me fazia treinar caras de 45, 50 anos, até os mais novos e isso é uma lição.

Uma das minhas funções também era checar as bolas para quando ele fosse treinar o McEnroe, o Vitas Gerulaitis, Mary Carillo. Se ele encontrasse uma ruim no meio do balde, ficava bravo.

Ele morava muito perto, quase do lado da academia e ficava observando tudo pela janela. Mesmo aos 68 anos de idade, era muito ativo e atento as detalhes. E não cansava de falar: “Sempre preste atenção e sempre dê o seu melhor. Você nunca sabe quem pode estar te observando.”

Aprendi muito também observando ele dar drills e ouvindo as histórias que ele contava. Quando sentávamos numa mesa de jantar era um aprendizado ouvir os relatos, sobre os jogadores que ele trabalhou, as dificuldades e como superaram. Isso se tornava uma referência e mostrava que todos tem uma dificuldade, mas que cada um é diferente.

Ele trabalhava muito a parte mental e eu sabia que sempre podia perguntar as coisas para ele.

 

TV – De aprendiz como você começou a treinar os principais jogadores e viajar o circuito?
BB – De Port Washington o Harry foi para a Flórida e abriu a própria academia. Lá ele criou uma equipe de jogadores e, em 1979 eu comecei a viajar com o grupo. Eram o Andres Gomez, o Raul Viver, o Robert Seguso e foram se juntando ao time o Johan Kriek, o Tim Mayotte, o John Lloyd, o Paul McNamee.

Em geral éramos seis na equipe e eu sempre gostei de trabalhar em grupo. Você tem muito mais chance de sucesso, lida com estilos diferentes de jogo, personalidades e pode compartilhar muita coisa.

Mas, chegou um momento em que eu estava viajando 43 semanas do ano e cada um queria ter o seu próprio técnico. Acabei ficando com quatro jogadores.

O Shuzo Matsuoka e o José Luiz Clerc também treinaram comigo neste período.

 

TV – Desta equipe o seu próximo passo foi o Boris Becker?

BB – O Becker vinha me observando e queria que eu o treinasse, mas o Tiriac – Ion –, empresário dele, não estava muito contente com essa decisão. Claro que foi o Boris que tomou a decisão final e começamos a trabalhar em 1987. Ele chegou ao auge da carreira – ganhou Wimbledon, o US Open, o Australian Open e alcançou o topo do ranking mundial.

Durante os quatro anos que trabalhamos juntos foi maravilhoso ver alguém com o jogo, a mente e a habilidade para executar tudo isso junto e ainda lidar com a pressão de ser uma superestrela no seu melhor momento em quadra.

 

TV – Depois do Becker você treinou o Ivanisevic por muitos anos também. Eles eram muito diferentes…

BB – O Goran também era uma estrela do esporte, mas era diferente. Ele tinha aquele temperamento em quadra quando competia, mas era um trabalhador. Tivemos uma certa dificuldade no início por causa da língua. Ele não falava inglês tão bem e a presença do pai dele naquele momento foi fundamental.

Nossa relação sempre foi muito boa e quando ele chegou à final de Wimbledon em 2001 – não estávamos juntos há algum tempo – ele me ligou me chamando para assistir. Continuamos amigos e fazemos até alguns trabalhos juntos.

 

TV – Você nunca deixou de ser treinador. Continuou no circuito com o Medvedev, Ancic, Kiefer e desde 2004 com o Marin Cilic…

BB – Eu parei de viajar por um período. Fui fazer um MBA de “Business/Administração,” porque estava com a minha academia na Itália (San Remo, a 30 minutos de Mônaco – Bob Brett Tennis Academy) e queria dar um tempo do circuito.

Desenvolvi um outro lado meu que sempre quis aprender mais. Mas nunca me afastei, continuei por perto e hoje tenho um contrato com o Marin – Cilic – em que trabalho com ele 32 semanas por ano. São 24 de viagens e outras oito de treinamentos.

Quando não posso viajar com ele, os técnicos da academia estão juntos, ou algumas vezes até o Goran, que foi quem nos apresentou.

 

TV – O que você viu no Cilic de diferente?

BB – Ele é uma boa pessoa, um trabalhador e tem uma visão de jogo muito boa. O que eu mais gosto é que ele ama o esporte, está sempre disposto a trabalhar, quer melhorar todos os dias e pega rápido as informações que passo para ele.

Mas, vou sempre adicionando as coisas passo a passo, com muito cuidado, esperando o momento certo.

Acho que sou um felizardo. O Marin tem aquele algo a mais do campeão.

 

TV – Como você identifica isso?
BB – Nos detalhes.

 

TV – Essas características são moldáveis? Você consegue transformar qualquer um em um campeão?

BB – Eu acredito que os grandes campeões nascem com essas características e nós técnicos temos o papel de dar exemplos e desenvolver as qualidades dele. Tirar o melhor de cada um.

 

TV – Para você quais são as qualidades de um campeão?

BB – Ele tem que ser um atleta de alto nível. Tem que ter aquela determinação, algo que o diferencia dos outros. Precisa produzir mais no momento mais importante. Ser capaz de dar sempre mais, de ir além e tem que saber lidar com dificuldades e sair delas inteligentemente.

Querer sempre melhorar e ser leal com o esporte, o técnico, a família e os amigos é fundamental para mim.

Um campeão é alguém que consegue maximizar o potencial, não só alguém que tem o número um ao lado do nome. Essa capacidade de dar o seu melhor no momento mais importante e sair das trevas quando se está em situações complicadas, te diferenciam do resto.

Mas, para isso é preciso estar preparado. São as horas de treinos, as semanas, os meses, os anos que você passa se dedicando que vão fazer a diferença na hora certa.

Quando você trabalha muito desenvolve a força física e mental que te dão aquela segurança a mais em quadra.

 

TV – E quais são as qualidades de um bom técnico?

BB – O técnico tem que assumir responsabilidades pela derrota e saber que as vitórias serão sempre mérito do tenista.

O técnico tem que ter paixão pelo que faz, curiosidade, liderança, determinação para ter sucesso, tem que saber o momento de ir além com o jogador e ser capaz de assumir a culpa nas derrotas.

É importante também saber trabalhar a mente e ter uma boa relação com todos que estão em volta do jogador. Não se animar de mais com uma vitória e nem se abater extremamente com uma derrota. É trabalhar duro e ter imaginação.

 

TV – Você ainda é a favor de se viajar em equipe?
BB – Sou. Eu acho que um técnico pode viajar com dois ou três jogadores e um preparador físico.

Quando você está em grupo consegue ver que uma coisa que não funciona com um pode funcionar com outro e divide o conhecimento. Os próprios jogadores se ajudam, os drills ficam melhores e o ambiente é mais agradável.

 

TV – Hoje em dia o circuito mudou muito da época em que você começou a viajar para os torneios há mais de 20 anos.

BB – O que mudou muito é que há uma quantidade enorme de dinheiro envolvida no tênis e a parte física.

É difícil você encontrar um jogador hoje que viaje sem preparador físico.

Hoje em dia os tenistas fazem preparação física durante os torneios e passam muito tempo na sala de ginástica, mesmo antes de um jogo. Isso não acontecia naquela época.

Além do preparador físico o tenista às vezes tem mais pessoas que viajam com ele e não é fácil ter que lidar com tudo isso, porque é importante para o jogador fazer com que todos se sintam bem.

 

TV – Tecnicamente você vê mudanças?
BB – Houve uma grande mudança no último ano e meio.

Esses caras grandes, que antes só sacavam, evoluíram.

Acho que o Andres Gomez foi um grande exemplo para eles, porque foi o primeiro jogador grande, alto, com um supersaque que começou a jogar melhor e a ganhar mais.

Claro que passamos pelas mudanças de raquete, pela escola espanhola, mas de repente desde o ano passado estamos vendo esses tenistas enormes jogando em cima da linha, pegando forte com as raquetes dentro da quadra, se movimentando, dando winners do fundo e devolvendo o saque muito bem, além de fazerem a bola quicar mais alto ainda no saque, como o Del Potro, Soderling, Cilic, Isner, o Querrey.

Todo mundo está tendo que se tornar mais agressivo.

E é dessa maneira que o jogo está evoluindo.

 

TV – Além da sua academia em San Remo e de treinar o Cilic, você dá consultoria também para a Tennis Canada. Como é o trabalho lá?
BB – Passo oito semanas do ano no Canadá, mas estou sempre em contato com eles.

Sou responsável já há uns três anos pelo programa para os menores de 12 e 14 anos. Começamos a fazer a detecção com sete oito anos de idade.

Agora esses meninos e meninas que selecionamos há um tempo estão começando a mostrar o resultado do trabalho.

Além de trabalhar com as crianças começamos um trabalho de capacitação dos técnicos, porque eles são os responsáveis pelo desenvolvimento do tênis nessa idade.

 

TV – Como técnico, que recomendação você daria para quem está sonhando com uma carreira no tênis?

BB – É fundamental que os pais entendam que ao escolherem um treinador eles tem que confiar naquela pessoa. Se não confiam na pessoa que escolheram para cuidar do filho ou da filha, nunca deveriam ter eleito aquele técnico.

É muito difícil conseguir fazer um bom trabalho com um jogador que está no início da adolescência, ou até mesmo com os profissionais em início de carreira, sem passar por momentos de dúvidas, medo, confusão. É parte do processo e é muito mais complicado do que mudar uma pegada ou um golpe.

Por isso, é necessário ter o apoio da família e de todos que trabalham juntos. Faz uma grande diferença. Se não, o técnico não consegue desenvolver o seu trabalho e o jogador acaba sendo prejudicado.

 

Diana Gabanyi e Nelson Aerts