10 anos atrás: O “Monumento” Guga se Despede do Tênis

Por Diana Gabanyi

Fotos de Cynthia Lum

Momento de relembrar a despedida do Guga em Paris. Texto publicado na nossa revista, direto de Paris, em 2008.

 

“Eu adorei o adeus de Guga em Roland Garros. Poderíamos esperar o pior, devido à sua condição física, mas ele não é estúpido e sabia muito bem o que estava fazendo ao solicitar um convite para jogar. Eu, particularmente, acho idiotas aqueles que puderam pensar, por um segundo, que ele não era digno de um convite. Kuerten é um monumento. Jamais, e eu repito, jamais, fora o Yannick (Noah), porque ele é francês, nenhum jogador foi tão adulado quanto o Guga em Roland Garros.

Guga tinha o direito de dizer adeus a Paris e assistindo a ele evoluir na quadra central, naquele domingo, eu percebi, a que ponto, na época do seu esplendor, ele podia parecer enorme perante seus adversários. Ele esteve enorme por vezes durante o jogo. Por instantes, mas ele esteve. Eu percebi também, quando ele dava uma de suas esquerdas, que tanto inspirou outros jogadores, a que ponto ele teve impacto no jogo moderno de hoje.

E isso tudo me fez lembrar de toda a magia da sua chegada ao circuito. Foi uma verdadeira história de Cinderela, que ninguém poderia imaginar que aconteceria, que naquela primavera de 1997, aquele então brasileiro de 20 anos, vindo do nada, se tornaria um tricampeão de Roland Garros e um número um do mundo.

De fato, num mundo do tênis que evolui sem parar, Guga faz parte daqueles jogadores, que quando jogam, como ele fez contra o Mathieu, depois de um pequeno eclipse, nos fazem lembrar a que ponto o jogo dele faz falta ao circuito, quando ele não está lá. É apenas através destes momentos que vivemos, com um misto de emoção e um pouco de tristeza, que a gente percebe toda a dimensão do que a gente acaba de perder.”

O autor destas palavras é outro tricampeão de Roland Garros, Mats Wilander. O sueco escreveu este texto, no Jornal L’Equipe, logo depois de Guga se despedir da sua quadra central, de como ele mesmo disse, “do seu amor, sua vida, sua paixão,” no domingo, 25 de maio de 2008.

Guga saiu de quadra emocionado e emocionando a todos, inclusive o seu adversário no dia, o francês Paul Henri Mathieu, discípulo de Wilander, que o derrotou por 6/4 6/3 6/2.

Como lembrança do torneio, que transformou a sua vida há 11 anos, Guga ganhou um troféu da Federação Francesa de Tênis, com um pedaço da quadra, que ergueu como se tivesse vencido um campeonato. E de fato, ele venceu.

É só parando para analisar, quando tudo termina, que às vezes os fatos vem à tona ou ganham mais importância.

Como seria o tênis brasileiro se Guga não tivesse ganhado aquele Roland Garros de 1997? Como seria o tênis moderno de hoje se ele não tivesse mostrado para todos que dá para jogar no saibro atacando?

O próprio Guga não gosta de ficar pensando no se, para não sentir muito mentalmente como seria a sua carreira, até onde ele teria chegado se não tivesse sofrido com as lesões no quadril.

O momento também não foi de se e sim de festa, alegria e de recordar tudo o que o catarinense fez pelo tênis mundial.

Não houve quem não se emocionasse nas tribunas da quadra Philippe Chatrier, no vestiário, em que foi ovacionado pelos jogadores ao entrar depois de deixar a quadra no seu último jogo como profissional, ou nas televisões de todo o mundo, quando a curtinha que tentou dar em Mathieu ficou na rede e Guga pegou o microfone para agradecer tudo o que viveu em Paris. “Mais importante do que os títulos que eu ganhei, foram vocês.”

SAMBA EM PARIS – E o público, talvez contagiado pela alegria de ser do brasileiro, pelo jeito sincero e guerreiro, pelo amor dele ao tênis, realmente se idenfiticou com Guga em Paris.

Entre os corredores das alamedas de Roland Garros, organizadores, fotógrafos, jornalistas e até mesmo fãs de longa data de Guga, se lembravam dos anos fantásticos em que as batucadas tomavam conta do complexo francês, depois das vitórias de Guga. “Quem poderia imaginar, samba em Paris,” falou um fotógrafo.

É mesmo, quem poderia imaginar alguém desenhando um coração na quadra central de Roland Garros e deitando em cima dele, para expressar todo o amor pelo torneio.

E quem poderia imaginar que a despedida de Guga fosse ser tão especial, que Mathieu chegou a declarar que o clima na quadra parecia de uma final?

COMO 1997 – Só mesmo Gustavo Kuerten, com alguns ingredientes especiais, como a roupa azul e amarela da Diadora, a mesma que apareceu para o mundo em 1997, os seus golpes únicos e o jeito de ser brasileiro, puderam conquistar Paris.

Em um ano, em que faltou emoção no maior torneio de saibro do mundo, a despedida de Guga, ganhou ainda maior importância e para os brasileiros, foi como assistir a uma conquista do seu ídolo maior.

Para completar, Guga ainda jogou uma animada partida de duplas, ao lado de Sebastian Grosjean. Perderam para Florin Mergea e Horia Tecau, da Romênia, por 5/7 6/3 6/1, mas o clima na quadra 2, foi o que mais importou. Brasileiros e os próprios jogadores se divertindo em uma rara tarde de sol na capital francesa.

Guga ganhou novamente o “Prêmio Laranja,” de desportividade e simpatia com a imprensa e fãs. Foi um prêmio especial, o prêmio pela década dedicada ao tênis, já que ele já tinha levado o troféu outras três vezes.

Para comemorar o fim de uma trajetória especial, chamou os amigos mais íntimos e companheiros de circuito para comparecerem ao VIP, uma boate na Champs Elysée e para Alex Corretja, Cedric Pioline, Grosjean, Mary Pierce, Tommy Robredo, Karim Alami, Hernan Gumy, Nicolas Lapentti, Andy Ram, Jonathan Erlich, entre muitos outros, incluindo os tenistas brasileiros, ele tocou baixo, violão, cantou ao lado dos músicos Kátia e Marcello, radicados na França e se foi.

Foi descansar a cabeça, o corpo e refletir em como pode ajudar o tênis brasileiro.

Mas, como o amor por Roland Garros sempre fala mais forte, ele voltou para assistir a final e participar da cerimônia de 80 anos do Stade Roland Garros, que levou à quadra central vários ex-campeões, incluindo Yannick Noah, que comemorava 25 anos da sua conquista, Wilander, Bjorn Borg, que há anos não pisava na “terra batida” da quadra central, Arantxa Sanchez-Vicário, Andres Gomez, Guillermo Vilas e muitos outros heróis do esporte.

IVANOVIC – Sem a sua heroína dos anos 2000, Justine Henin, que duas semanas antes de Roland Garros começar anunciara sua aposentadoria, dizendo ter perdido a vontade de lutar para ser a melhor o tempo todo, foi a sérvia Ana Ivanovic, quem levou o troféu de campeã.

Vice-campeã no ano passado, Ivanovic derrotou na final a grande surpresa do torneio, a russa Dinara Safina, irmã mais nova de Marat Safin, que disputava a sua primeira decisão de Grand Slam, depois de ter salvado match points, na oitavas-de-final, contra Maria Sharapova e nas quartas-de-final contra Elena Dementieva e derrotado Svetlana Kuznetsova, na semi, não chegou com toda sua força para superar a nova número um do mundo.

Ivanovic conquistou o torneio, derrotando Safina por 6/4 6/3.

Ao ouvir o Hino Nacional da Sérvia, uma novidade em Roland Garros, no pódio para receber o troféu das mãos de Henin, Ivanovic deixou lágrimas caírem e falou: “Nunca vou esquecer este dia.”

Afinal, conquistar o título de Roland Garros, não foi assim tão fácil para ela, como foi para Rafael Nadal. Antes de Safina, ela teve que derrotar a compatriota Jelena Jankovic, por 6/4 3/6 6/4; Patty Schnyder, da Suíça, por 6/3 6/2; Petra Cetkovska, por dupo 6/0; Caroline Wozniacki por 6/4 6/1 e Lucie Safarova, por 6/1 6/2.

Ivanovic se tornou a primeira mulher sérvia a conquistar um título de Grand Slam.

TETRACAMPEÃO – Se entre as mulheres sobraram desafios e longas batalhas, entre os homens, Rafael Nadal não deixou ninguém se quer sonhar com o “Trophée des Mosquetaires.”

Ele não perdeu um set durante todo campeonato – continua invicto em Paris – e todos que antes do jogo começar acreditavam poder endurecer a partida contra ele, tiveram suas posições contrariadas, inclusive Roger Federer. O suíço, número um do mundo, na sua terceira tentativa seguida de reinar na terra batida de Roland Garros, de destronar o touro espanhol e conquistar o Grand Slam, tomou um verdadeiro olé, perdendo por 6/1 6/3 6/0, em menos de duas horas de jogo.

Antes disso, Nadal já tinha passado, sem dó, por Novak Djokovic, ganhando por 6/4 6/2 7/6(3), no jogo que ele classificou como um dos melhores de sua carreira; Nicolas Almagro, por 6/1 6/1 6/1; Fernando Verdasco, por 6/1 6/0 6/2; Nicolas Devilder, por 6/4 6/0 6/1 e pelo brasileiro Thomaz Bellucci, que impressionou o público e a imprensa mundial, ao enderucer o jogo contra o espanhol, mas perdeu por 7/5 6/3 6/1.

De tão fácil que foi a conquista do tetracampeonato consecutivo, Nadal mais se desculpou com Federer, pelo tênis que jogou, do que vibrou e comemorou ao receber o troféu das mãos do seis vezes campeão em Paris, Bjorn Borg.

MONFILS – A organização deve até ter chegado a pensar em ter Yannick Noah na quadra central para fazer a entrega do troféu ao campeão, mas os franceses terão que continuar tentando no ano seguinte, repetir o feito do tenista. Ele continua sendo o único francês campeão em Paris, nos últimos 25 anos. Desta vez, quem chegou mais perto foi Gael Monfils, que empolgou o público e chamou a atenção de quem inclusive não é fã de tênis, mas não conseguiu passar por Roger Federer na semifinal, depois de ter ganhado de Arnaud Clement, Luís Horna, Jurgen Melzer, Ivan Ljubicic e David Ferrer, num ano em que cinco franceses alcançaram as oitavas-de-final em Paris, mas só Monfils avançou.

GONZALEZ – Entre os sul-americanos, o destaque ficou para o chileno Fernando Gonzalez, que alcançou as quartas-de-final, perdendo para Federer.

SOARES – E os brasileiros, se contagiaram com a despedida de Guga e pela primeira vez, desde 2004, fizeram boa campanha em Roland Garros. Thomaz Bellucci passou o qualifying e encarou Nadal logo na estréia, mas se tornou o jogador que mais games ganhou do espanhol; Direto na chave principal, Marcos Daniel venceu Juan Carlos Ferrero na primeira rodada e esteve perto de chegar à terceira, perdendo em cinco sets para o austríaco Melzer.

Nas duplas, Bruno Soares surpreendeu chegando à semifinal (confira matéria na página XX), ao lado de Dusan Vemic, da Sérvia e André Sá, ao lado da eslovaca Janette Husarova, chegou às quartas-de-final de duplas mista.

O FUTURO – Por todas essas razões, em um ano em que o sol brilhou apenas no dia em que Gustavo Kuerten jogou em Roland Garros, no dia da sua despedida oficial e no jogo de duplas, num ano em que o samba se despediu do torneio e faltou emoção, o especial mesmo foi perceber a dimensão do que Guga proporcionou ao Brasil e ao mundo e notar, que o tênis brasileiro não terminou.

As palavras são do mestre maior de Guga, o técnico Larri Passos, que como presente para seu pupilo encheu uma garrafa com o “saibro sagrado,” de Roland Garros.

Atualmente são dois tenistas entre os top 100, o que não acontecia há algum tempo, três top 50 nas duplas e uma série de novos jogadores trabalhando no juvenil, para quem um dia novamente, o samba possa voltar a tocar nas alamedas de Roland Garros.

 

Diana Gabanyi, de Paris

 

Fotos: Cynthia Lum

Guga recebe anel do Hall of Fame e é homenageado em Roland Garros

Gustavo Kuerten foi mais uma vez homenageado em Roland Garros. Neste domingo, dia histórico para o tênis, Guga recebeu o anel do Hall of Fame, das mãos do Presidente da entidade, Stan Smith e ao lado de outras lendas do esporte: Ion Tiriac, Manolo Santana, Nicola Pietrangeli, Kim Clijsters, Todd Martin, Guillermo Vilas, entre outros.

Além de receber o Anel do Hall of Fame, a Federação Francesa de Tênis e o Hall preparam um vídeo emocionante, com os melhores momentos da carreira de Guga, não só em Paris, mas como no circuito mundial.

Após o vídeo, mais uma surpresa em plena quadra Philippe Chatrier. Os boleiros entraram em quadra e fizeram um coração com 24 bolas, como parte da campanha para Paris2024. Guga cumprimentou cada um dos boleiros, entrou no coração e ainda fez o símbolo da campanha francesa.

“Cada vez que eu venho aqui é muito especial. É um sentimento indescritível. Sou muito agradecido por tudo o que vocês fizeram e ainda fazem. Para sempre, Roland Garros será especial no meu coração,” disse o brasileiro.

Para completar a cerimônia que antecedeu o início da final histórica entre Rafa Nadal e Stan Wawrinka, Guga ainda contou com a presença dos filhos Maria Augusta e Luis Felipe em quadra para marcar os 20 anos da primeira conquista em Paris.

Diana Gabanyi

Fotos de Cynthia Lum